Eu, menino, sentado na calçada sob um sol escaldante, observava a movimentação da turba em volta e tentava compreender o que ocorria.
– Que é o Natal – indagava-me, em silêncio.
Eu, menino, ouvira falar que aquele era o dia em que o Papai Noel, no seu trenó puxado por renas, cruzava os céus distribuindo brinquedos a todas as crianças.
– E por que então eu, que passo a madrugada ao relento, nunca vi o trenó voador – perguntava-me. – Onde estão os meus presentes
E eu, menino, concluía que não deveria ser isso o Natal.
Talvez fosse um dia especial, em que as pessoas abraçassem seus familiares e fossem mais cordiais umas com as outras. Talvez fosse o dia da fraternidade e do perdão.
– Mas então por que eu, sentado no meio-fio, não recebo sequer um sorriso – inquiria-me, perplexo. – E por que trabalha a polícia no Natal
E eu, menino, entendia que não devia ser assim...
Imaginava que talvez o Natal fosse um dia mágico em que as pessoas enchiam os Templos em busca de Deus.
– Por que, então, não saem de lá melhores do que entraram – debatia-me, na ânsia de compreender aquela ocasião enigmática.
Via risos, mas eram gargalhadas que escondiam tanta tristeza e ódio, tanta amargura e sofrimento...
E eu, menino, mergulhado em tão profundas reflexões, vi aproximar-se um homem. Era um belo homem. Não era gordo nem magro, tão alto quanto baixo, nem negrp, nem branco, nem pardo, amarelo ou vermelho.
Era apenas um homem com olhos cor de ternura e um sorriso em forma de carinho que, numa voz com tom de afago, saudou-me:
– Olá, menino!
– Oi... – respondi, tímido.
E, num quase êxtase de admiração, vi-o acomodar-se a meu lado, na calçada, sob o sol escaldante.
Eu, menino, na naturalidade de menino, aceitei-o como amigo num olhar. E atirei-lhe a pergunta que me inquietava e entristecia:
– Que é o Natal
ELE, sorrindo ainda mais, respondeu-me, sereno:
– Meu aniversário.
– Como assim – indaguei-lhe, percebendo que estava só. – Por que não estás em casa Onde estão os teus
– Essa – falou-me, apontando a multidão que vagava – é a minha família.
Eu, menino, não compreendi.
– Também tu fazes parte da minha família... – acrescentou, aumentando a confusão.
– Não te conheço! – rebati.
– É por que nunca te falaram de mim. Mas eu te conheço. E te amo...
Estremeciam-me de emoção aquelas palavras, na minha fragilidade de menino.
– Deves estar triste – comentei. – Estás só no dia do próprio aniversário...
– Neste momento, estou contigo – respondeu-me, meneando a cabeça negativamente.
E conversamos. Uma conversa de poucas palavras, muito silêncio, muitos olhares e um inefável transbordar de sentimentos, naquela prece que fazia arder o coração e a própria alma.
O sol entregou o céu às estrelas.
E conversamos. Eu, menino, e ELE.
E ELE me falava, e eu o amava. E eu o absorvia. E eu o sentia.
Eu, menino: cordas. ELE: artista. E se fez melodia entre nós!...
E eu, menino, sorri...
Quando a noite cedeu vez à madrugada, enquanto piscavam as luzes que adornavam as residências, ELE se ergueu e pressenti que era a despedida. Suspirava, de alma renovada.
Abracei-o pela cintura, dizendo:
– Toma o meu presente... Feliz aniversário!
Ergueu-me no ar, com seus braços fortes-fracos, tão fortes quanto a paz, e disse-me:
– Presenteia-me compartilhando este abraço com a minha família, que também é tua... Ama-os com respeito. Respeita-os com ternura. Sê terno com carinho. Acaricia-os com justeza. Julga-os com amor... E tem um feliz Natal!
Porque não quisesse vê-lo ir-se embora, saí correndo em disparada pela rua. Abandonei-o, levando-o para sempre no mais íntimo do coração. Fui em busca de braços que aceitassem os meus...
E eu, menino, nunca mais o vi. Somente quando deixei de ser menino ouvi novamente falarem daquele amigo da noite de Natal: Jesus.
E eu, menino, sorri...
POR RONALDO ADONAI
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