FALA-NOS SOBRE O TRABALHO/GIBRAN KALIL GIBRAN/SÉCULO 19



Sobre o Trabalho 
 Depois um operário disse-lhe, Fala-nos do Trabalho. 
E ele respondeu, dizendo: 
Vós trabalhais para poder manter a paz com a terra e a alma da terra. 
Pois ser ocioso é tornar-se estranho às estações e ficar afastado da procissão 
da vida que marcha majestosamente e com orgulhosa submissão em direcção ao 
infinito. 
Quando trabalhais sois uma flauta através da qual o sussurro das horas se 
transforma em música. 
Qual de vós quereria ser uma cana muda e silenciosa, quando tudo o resto 
canta em uníssono? 
Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição e o labor um infortúnio. 
Mas eu digo-vos que quando trabalhais estais a preencher um dos sonhos 
mais importantes da terra, que vos foi destinado quando esse sonho nasceu, e 
quando vos ligais ao trabalho estais verdadeiramente a amar a vida, e amar a 
vida através do trabalho é ter intimidade com o segredo mais secreto da vida. 
Mas se na dor chamais ao nascimento uma provação e à manutenção da carne 
uma maldição gravada na vossa fronte, então digo-vos que nada, excepto o suor 
na vossa fronte, apagará aquilo que está escrito. 
Também vos foi dito que a vida é escuridão, e no vosso cansaço fazeis-vos 
eco de tudo o que os cansados vos disseram. 19 
E eu digo que a vida é mesmo escuridão excepto quando existe necessidade, 
E toda a necessidade é cega excepto quando existe sabedoria. 
E toda a sabedoria é vã excepto quando existe trabalho, 
E todo o trabalho é vazio excepto se houver amor; 
E quando trabalhais com amor estais a ligar-vos a vós mesmos, e uns aos 
outros, e a Deus. 
E o que é trabalhar com amor? 
É tecer o pano com fios arrancados do vosso coração, como se os vossos bem 
amados fossem usar esse pano. 
É construir uma casa com afecto, como se os vossos bem amados fossem 
viver nessa casa. 
É semear sementes com ternura e fazer a colheita com alegria, como se os 
vossos bem amados fossem comer a fruta. 
É dar a todas as coisas um sopro do vosso espírito, e saber que todos os 
abençoados defuntos estão à vossa volta a observar-vos. 
Muitas vezes vos ouvi dizer, como se estivesseis a falar durante o sono, 
"Aquele que trabalha o mármore e encontra na pedra a forma da sua própria 
alma é mais nobre do que aquele que trabalha a terra. 
E aquele que agarra o arco-íris para o colocar numa tela à semelhança do 
homem, é mais do que aquele que faz as sandálias para os nossos pés." 
Mas eu digo, não no sono, mas no despertar, que o vento não fala mais 
documente com o carvalho gigante do que que com a mais ínfima erva; 
E é grande aquele que, sozinho, transforma a voz do vento numa canção 
tornada doce pelo seu amor. 
O trabalho é o amor tornado visível. 
E se não sabeis trabalhar com amor mas com desagrado, é melhor deixardes 
o trabalho e sentar-vos à porta do templo a pedir esmola àqueles que trabalham 
com alegria. 20 
Pois se fizerdes o pão com indiferença, estareis a fazer um pão tão amargo 
que só saciará metade da fome. 
E se esmagardes as uvas de má vontade, essa má vontade contaminará o 
vinho com veneno. 
E se cantardes como anjos mas não apreciardes os cânticos, estareis a 
ensurdecedor os ouvidos do homem às vozes do dia e às vozes da noite.